O estudioso Pedro Severino de Sousa concedeu entrevista a Revista NORDESTE sobre a situação que passa o país, em relação a crise hídrica. Na entrevista abaixo, Sousa faz um balanço dos anos de seca e de chuva, aponta teorias para o momento atual e sinaliza que a tendência é piorar. Confira a entrevista exclusiva.
Revista NORDESTE: Qual é a situação da água no Nordeste?
Pedro Sousa: O problema da continuidade da seca no nordeste é cíclica. Há 500 anos que o homem branco, ao ter chegado na Bahia, no Nordeste setentrional, se tem conhecimento pelos registros históricos da seca. A seca é cíclica, mas nos últimos séculos XIX e XX vem se agravando. Antes, de 10 anos, dois anos era seca, foi aumentando para três. Hoje praticamente em 10 anos, 6 é seco.
NORDESTE: Mas isso é preciso?
Pedro Sousa: Não é exatamente na precisão, no estudo da hidrologia alguns cientistas dizem que é onze, outros dizem que é dez, sete. Tem essa divergência entre os meteorologistas e hidrólogos, mas na média é entre onze anos e sete. (A seca) tem a ver com as explosões nucleares do sol. Mas a ciência meteorológica aponta que o efeito determinante do clima da Terra, principalmente no nordeste do Brasil, é conhecido por todos nós: o fenômeno EL Niño.
NORDESTE: O que é o El Niño?
Pedro Sousa: O El Niño era o fenômeno do aquecimento das águas do pacífico. No final do ano acontecia esse aquecimento no litoral peruano que favorecia a pescaria. O Peru exportava a produção da tonelada de peixe por conta da facilidade na pescaria. Isso era devido o calor que vinha do fundo do mar, aí os cardumes de peixes afloravam e facilitava a pescaria e o aumenta a produção de pescado no Peru. Os pescadores chamavam aquele momento de El Niño, o Menino Jesus. A ciência meteorológica não tem ainda uma tese científica, tem hipóteses, que eu levanto também, sobre o porque o El Niño acontece. Todo o clima da terra é determinado, lógico que tem a questão dos ciclos de explosões nucleares no sol, mas acredito que numa escala menor dentro da geologia e das forças da grandeza climática, eu vejo que ( o clima sofre influência) pelo calor oriundo do interior da terra. E o homem contribuiu muito para a diminuição desse calor. Por exemplo, eu sou crítico contundente da exploração do pré-sal. De onde estão tirando o petróleo? Logo abaixo está o magma. Eles pegam um óleo explosivo, de alta combustão. É como tirar uma lenha de uma fornalha.Com isso estão diminuindo o calor para emissão da evaporação do mar do nosso Atlântico sul. (Para Pedro Sousa, ao diminuir o calor que sobe do interior dos oceanos há a diminuição das chuvas).
NORDESTE: Então esses ciclos são marcados pelo calor do interior da terra?
Pedro Sousa: Tudo é uma questão da exploração dos recursos naturais. O fenômeno (a seca) é natural, mas o homem acelera pela exploração dos recursos naturais. O petróleo é recurso natural que o homem explora. O petróleo é fator determinante para o calor do interior da terra para vapo-transpiração. Por exemplo, João Câmara e Pedra Petra no Rio Grande do Norte, quando tem abalo sísmico em João Câmara, mesmo pequeninho, que registra três, quatro na escala Richter, é fácil prever o seguinte: houve um abalo sísmico em João Câmara, um tremorzinho, pode ter certeza que na região da bacia do Piranhas, Piancó do sul, o Seridó, vai chover bem. Chove em Souza, 100 milimetros, em Caicó. Porque o abalo sísmico, a colisão de pequenas placas tectônicas, a água que tem nos lenções freáticos, nos aquíferos, aquece, evapora e transpira. Melhora o índice relativo do meio ambiente, condensa e forma chuva. Eu já venho fazendo essa experiência há dez anos essa correlação de pequenos abalos sísmicos em João Câmara e a chuva fora de época. Quando chove bem nas Filipinas, no Japão, na China, você pode anteceder que houve abalo sísmico ou vai acontecer. Estão acontecendo os movimentos magmáticos lá embaixo, está aquecendo as águas subterrâneas do mar, os aquíferos são favorecidos.
NORDESTE: Como o senhor vê a seca que está acontecendo no Sudeste?
Pedro Sousa: Nunca se viu seca no sudeste, em São Paulo e Minas Gerais, desta forma. O Sistema Cantareira que esse ano choveu razoável, mas só no mês de fevereiro e março, atingiu a média histórica lá do sudeste. Mas o sistema não saiu do segundo volume morto, saiu do primeiro. Hoje está com 16% do volume morto. Em Belo Horizonte, quem abastece de Belo Horizonte é a bacia de Parauapebas. Parauapebas está com 25%. O Paraibuna, que abastece a grande Rio de Janeiro praticamente só saiu do volume morto. Está 0,6% acima do volume morto. Minas Gerais é o nascedouro das águas do Brasil, chama a caixa d’água do Brasil.
NORDESTE: A crise hídrica que acontece em São Paulo pode acontecer em Minas Gerais?
Pedro Sousa: Já está acontecendo. Paraopeba é um afluente do rio Paraíba do Sul, aquela região todinha... O divisor d’água, a caixa d’água do Brasil é Minas, porque os principais rios do Brasil, exceto a bacia amazônica, nascem lá. O São Francisco, ou nasce lá ou tem conexão. O Norte de Minas é a grande caixa d’água, porque é o grande divisor d’água do Brasil. Em Goiás, Tocantins, o Paranaíba, o Rio Grande, Rio Doce, São Francisco, Paraopeba tudo vem de Minas Gerais.
NORDESTE: Está havendo uma diminuição do volume de água lá?
Pedro Sousa: Faço uma previsão. Minas Gerais era favorecida por conta das frentes frias lá do Polo Sul. Existem tanto rios caudalosos correndo no fundo do mar, dependendo do movimento das estações, de rotação e translação, as marés, as fases da lua, as marés altas e baixas. Isso é devido o movimento da terra e o degelo das calotas polares e faz com que a água fria, que é mais densa, vá mais para o fundo, a água quente é menos densa e evapora, isso faz parte do movimento dinâmico da geodesia da terra. Ultimamente, em 2013 e 2014, os meteorologistas do Clima Tempo diziam que está havendo um bloqueio atmosférico por isso a frente fria não está passando para o sudeste e nordeste. A frente fria chega, mas não encontra mais uma boa condição atmosférica para ir até o Espirito Santo, Santa Catarina, São Paulo e Santos. Em tese isso acontece porque as plataformas da Petrobras, principalmente na exploração do pré-sal, estão tirando o calor do interior da terra. Por isso, não está havendo muita evaporação e não tem uma convergência melhor. Isso chama-se convergência intertropical para a formação de chuva.
NORDESTE: Como essa crise afeta o nordeste hoje? O número de anos da seca aumentou em quantos com o tempo?
Pedro Sousa: O número de anos (da seca) está aumentando. Tivemos um grande El Niño, seca no nordeste em 97, 98 e 99.
NORDESTE: Também teve uma seca grande em 83.
Pedro Sousa: Sim em 81, 82 e 83. 83 foi crítico. Figueiredo inaugurou o Açude de Açu, conhecido como Armando Ribeiro Gonçalves. Abriu as comportas de Coremas num ano seco. Inauguraram de março para abril, abriu as comportas de Coremas Mãe D’Água para jogar água para Açu, para inaugurar Açu. Secaram quase literalmente Coremas, naquele tempo não tinha AESA, ANA e era um negócio sem controle e fiscalização. O governo de Figueiredo mandou soltar água de Mãe D’Água pra inaugurar Açu. Depois, em 1985 foi um pé d’água. Foi um dos anos mais chuvosos no semiárido, no nordeste, Eu nasci em 1956, mas acompanho a estatística pelos institutos de meteorologia, a série histórica de 50 para cá. Os anos mais chuvosos no semiárido foram 67, 58 foi ano seco. Coremas foi inaugurado em 42, no governo de Getúlio Vargas, e Mãe D’Água em 57 com Juscelino Kubistchek. 58 foi ano seco aqui no Nordeste setentrional. O Nordeste é dividido geologicamente falando, o setentrional é o norte do nordeste, meridional é o sul do nordeste. Geralmente quando a gente se refere a Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará, estamos falando do nordeste setentrional. O nordeste meridional é de Pernambuco para baixo, Alagoas, Sergipe e a Bahia. No nordeste setetrional os anos mais chuvosos foram em 60, quando Coremas sangrou, foi a primeira sangria do sistema Coremas Mãe D’Água, justamente quando o Dnocs interligou Coremas Mãe D’Àgua. Mãe D’Água terminou em 57, houve a interligação e tornou o sistema completo. A primeira sangria foi um metro a lâmina d’água. Veio 65 que foi ano seco, não chegou a esse nível, ficou abaixo de 50%, 40%. Mas quando chegou em 67 foi um dilúvio. Foi uma das maiores sangrias da história de Coremas com 2 metros e 70 a lâmina d’água. Aí veio chovendo dentro da normalidade. Alguns anos sangrando, outros não. Dois três anos sem sangrar, outro sangrava.
Em 70 não tem muita a série histórica, não houve muito ano bom. De 67 à década de 70 teve uma grande sangria, mas não foi excepcional. Choveu em 85, foi um grande dilúvio, Coremas sangrou com uma lâmina igual a 67, ou mais até, questão de centímetros. Passou esse intervalo de 11 anos, chuva abaixo da média, dentro da média. Coremas não sangrou mais, veio sangrar em 96, 11 anos depois. De 96 veio um período de El Niño, 97, 98 e 99. E aí, em 2001 quando houve o apagão do Nordeste e racionamento de energia. Em 2000, 2001 era o caos para a questão hidrelétrica do Brasil, questão do abastecimento. Tivemos racionamento até em João Pessoa. Era o drama, um terrorismo e pavor. Aí veio a campanha do apagão, foi quando salvou o sistema. Se não tivesse feito aquela campanha do apagão tinha faltado energia e havia um apagão geral mesmo. As previsões de 2000, 2001, 2002 e 2003, não eram favoráveis, aí é quando a gente vê que o homem as vezes faz previsões erradas, os institutos e doutores acreditavam que não seria favorável. Nessa década até 2010 as previsões eram de chuvas abaixo da média. Mas quando começou 2002 foi melhorando, Ceará e Paraíba com os açudes todos secos, mas começou a tomar água. Em 2003 também. Em 2004 veio outro dilúvio. No dia 17 de janeiro de 2004 até o dia 05 de fevereiro na Paraíba, em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará, literalmente choveu um dilúvio. As chuvas de janeiro de 2004 no nordestes setentrional foram um dilúvio.
NORDESTE: O senhor acredita que o governo já deveria estar fazendo novo racionamento de energia?
Pedro Sousa: O governo Dilma era para estar fazendo racionamento de água e energia. No Brasil, 70% da matriz energética é hidroelétrica. Essa lâmpada acesa aí está consumindo água também. Por que? 70% de nossa fonte de geração de energia é hidroelétrica. Se você apaga essa lâmpada, em tese, vai diminuir o consumo em Sobradinho ou Tucuruí, 80% da energia do Nordeste vem de Tucuruí. Você pode economizar água, economizando energia. Eu fiz uma proposta da utilização da transposição. Você pode transpor energia diretamente de Tucuruí. Hoje, o Nordeste, a Chesf, está transpondo água da Eletronorte, de Tucuruí. Por que? Lá não abre as comportas, as turbinas para gerar mais energia? A Eletronorte é auto-suficiente, digamos, Tucuruí tem capacidade de gerar 12 mil megawatts, mas só funciona 3 mil. Tem uma sobra de nove, abastece o Nordeste. Transfere para cá. Isso é uma transferência hidro energética. Indiretamente é a água que está vindo para cá. A gente não gera energia através da água e recebemos energia da Eletronorte, é uma transposição indireta de água.
NORDESTE: Mas se estamos com mais 10 anos depois (2004) vamos ter novamente um bom momento?
Pedro Sousa: Em 2015 e 2016 começaria a dar um subida de novo...estamos com um período de seca já há quatro anos...Isso são séries históricas que dizem que duram de três a quatro anos de seca, mas pelo jeito esse ciclo vai quebrar. As previsões de institutos especializados da Europa, Japão, da Organização Mundial de Meteorologia, da Nasa, a gente vê muita matéria internacional, lá da Europa, dos EUA, e dizem, isso é hipótese, diz que esse período de seca vai até 2021. Porque essa série de ciclo que viria de 300 anos atrás, três séculos atrás, dois anos por década, três, agora quatro, está aumentando.
NORDESTE: Por que está aumentando?
Pedro Sousa: É a exploração exacerbada, a crescente demanda de recursos naturais, e a matéria energética nossa é o combustível, o petróleo , que tira da natureza. O principal fator de agressão ao clima da terra é justamente o petróleo. Ou tirando do fundo do mar, ou tirando do pré-sal, do continente. No Oriente médio, na Arábia Saudita, os países produtores do petróleo. Lá o problema é a desertificação, que é natural, mas o homem acelerou.
NORDESTE: O senhor falou que tem uma previsão de seca até 2021?
Pedro Sousa: Isso eu ouvi dizer. No nordeste o período de setembro, outubro e novembro é de estiagem. Em São Paulo, na região sudeste, sul e centro-oeste começa a estação de chuva em setembro, outubro e novembro. No sudeste tem apontado que as chuvas estão na normalidade, mas em 2013, 2014 e 2015, essa normalidade vem chovendo abaixo da média. Eles estão batendo cabeça. Os meteorologistas do CPTEC estão doidos, estão batendo cabeça. Aqui para o Nordeste vamos ter para Janeiro, Fevereiro e Março vamos ter um encontro em dezembro entre o dia 20 e 25. Quando for dar a previsão de todos os institutos do Brasil sobre janeiro, fevereiro e março para o semiárido.
NORDESTE: Como está se portando esse fenômeno, o El Niño?
Pedro Sousa: O EL Niño acontecia normalmente a partir de dezembro, mas agora, de dois anos para cá, 2014 e 2015, está começando em maio e persiste até março. Aí as previsões até março em 2016 é de chuvas abaixo da média. Mesmo se o El Niño for moderado (o que não será). O problema é que Sobradinho está entrando no volume morto. Itaparica, Coremas, Mãe D’Água, Açu, Boqueirão, Oroz, todos esses açudes estão secando. Será ano político de eleição para prefeito. Isso vai se agravando. A partir de 2017, se for verdade a previsão de período seco até 2021, o bicho pega no Nordeste e no Sudeste.
NORDESTE: O Senhor acha que pode haver um racionamento já em 2016?
Pedro Sousa: Já está havendo em Campina Grande. Boqueirão esse ano não tomou quatro milhões. Boqueirão está com 66 milhões de metros cúbicos. No ano passado, no mês de abril, o rio Taperoá botou uma enchente e tomou 4 milhões, uma chuva que deu em Taperoá. É para tomar 200, tomou 4. Esses quatro já foram embora em 15 dias. Tomar é recarga, receber. Então se em 2016 o semiárido for regular, mesmo que seja um ano normal, mesmo que seja acima do normal, que chegue a ter um dilúvio como 2004. Recupera... não sei se. A projeção de São Paulo, do Sistema Cantareira, é três, quatro anos normais, para recuperar o sistema Cantareira. E se permanecer essa crise dois, três, quatro anos para frente ainda, o bicho pega.
NORDESTE: Então não dá para afirmar que vai ter seca até 2021?
Pedro Sousa: Não, eu não tenho certeza. Eu não posso afirmar. Seria irresponsável. Eu estaria indo de encontro aos estudos de uma série de institutos. Eu ouvi dizer. Mas você pode afirmar para 2016. O El Niño favorece o Sul e São Paulo é sudeste. O sul de São Paulo que também é o sistema Cantareira, o norte de São Paulo pega Minas Gerias, recebe água de Minas Gerais com o Tietê. Mas o El Niño favorece o sul e uma parte do sul de São Paulo. Mas se em 2016, do jeito que estão falando os prognósticos, devido o El Niño que vai até março, o nordeste vai entrar num estresse hídrico de abastecimento e geração de energia sem precedentes. Será a ampliação do flagelo da seca, fome e tudo. Em Campina Grande tem racionamento sábado, domingo e segunda, se continuar assim, em 2016 com chuvas anormais abaixo da média, o patrimônio de Boqueirão vai sofrer. No Nordeste evapora em média meio milímetro por ano. Três metros de água evapora no ano dentro do semiárido. Não é só beber água, tem a construção civil, a indústria. Tem que ter o alimento, para irrigar o alimento. Tem que ter a atividade agronômica para gerar alimento para a população. Não pode viver só de água para beber. Gramame/Mamuaba todo ano sangrava, janeiro, fevereiro e março, veio sangrar agora em julho. Em João Pessoa atende uma demanda de 1 milhão. Aqui, em tese vai chover só em Abril, para Gramame tomar, quando começa o inverno aqui.
NORDESTE: E os poços artesianos, seriam uma solução?
Pedro Sousa: O aquífero Beberibe se comunica com a Paraíba e Pernambuco, mas Recife é uma tábua de pirulito. Em Olinda cai prédio. Por quê? Tem estudos do desnível em 40 anos, o desnível do Beberibe baixou 60 metros. A água salobra (no subterrâneo) avança e aí pega a fundação dos prédios e enferruja. Aí, aqui e acola em Jaboatão estão caindo prédios por conta disso. E a companha de água e esgoto lá, como a daqui, a Cagepa, precisa redimensionar a captação de água dos poços, porque em 40 anos baixou 60 metros para a captação. Se a tubulação ia lá embaixo no lençol d’água, agora está suspensa, é preciso redimensionar e descer mais para poder fazer a captação. Os poços captam diretamente do lençol freático, do aquífero. Mas isso foi construído há 60 anos atrás. Hoje tem poço em João Pessoa, da Cagepa, que está pendurado no cano, a água está lá embaixo. Em João Pessoa a gente vai sofrer, é questão de tempo. No triênio 2016, 2017 e 2018, se continuar assim no litoral, está crise de abastecimento, e o pior é que vem a enxurrada de gente do interior. João Pessoa vai inchar. Não só João Pessoa, Recife, Natal, Fortaleza, Salvador. O refugiado climático do interior vai para as capitais. Isso se os institutos de meteorologia estiverem certos e de fato a estiagem permanecer
Revista Nordeste